Gorduras saturadas. Vilãs ou mocinhas?

Nutricionista Christine Melcarne. Atendimento no Rio de Janeiro, em Consultórios em Botafogo e na Barra da Tijuca

Gorduras saturadas. Vilãs ou mocinhas?

junho 14, 2018 Dieta Mediterrânea Dieta Paleolítica Doenças Cardiovasculares Gorduras saturadas 0
gorduras saturadas

O medo de consumir gorduras saturadas surgiu após um estudo realizado por um biologo-fisiologista americano chamado Ancel Keys. Esse biólogo, após observar uma enorme concentração de centenários no sul da Itália, deduziu que a dieta mediterrânea consumida pelos moradores da região, com baixo teor de gorduras animais, protegia contra doenças cardíacas, e que consequentemente uma dieta rica em gorduras animais e colesterol levaria a um aumento dessas doenças. 

O resultado desse trabalho conhecido como Estudo dos Sete Países relacionava o colesterol sanguíneo aumentado com a mortalidade por doença cardíaca.  

Como resultado, em 1956, baseados apenas em observações, a American Heart Association (AHA) e o governo dos EUA passaram a recomendar que as pessoas adotassem uma dieta com baixo teor de gordura e de colesterol  para prevenir doenças cardíacas. [1] , [2]

No entanto, a recomendação de se evitar as gorduras e colesterol não surtiu o efeito desejado. Estranhamente as doenças cardiovasculares são a principal causa de morte na Itália [3] e, de acordo com a última análise da Organização Mundial, a principal causa de morte em todo mundo.[4]

O começo da era Low fat (baixa gordura) e high carb (alto carboidrato)

O que acontece quando retiramos um nutriente importante, como por exemplo as gorduras e colesterol presentes principalmente nas proteinas animais? 

A resposta é fácil: colocamos outro nutriente em seu lugar. 

E foi assim que surgiu a era “high carb” com a industria alimentícia nos seduzindo com seus cereais açucarados, biscoitos recheados, bolos, doces, massas e comidas prontas, tudo com baixissimo conteúdo de gorduras e colesterol. 

De acordo com o professor Walter Willett, do Departamento de Epidemiologia e Nutrição de Harvard, as pessoas não devem evitar as gorduras. segundo ele “se você está limitando a gordura total, isso significa que você ingerirá mais carboidratos”.
“Nunca houve dados reais mostrando que dietas com baixo teor de gordura e carboidratos eram úteis – eram apenas hipóteses. ” [5]

A redenção das gorduras saturadas

No post anterior, falei sobre calorias e carboidratos e ilustrei a relação entre o consumo exagerado de carboidratos refinados e a probabilidade de desenvolver obesidade, diabetes e síndrome metabólica que são fatores de risco para doenças cardiovasculares. Se seguirmos essa linha de raciocínio, podemos concluir que ao contrário do que se pregava, uma dieta com baixo nível de carboidratos pode nos proteger de doenças cardiovasculares, e que parte da causa dessas doenças é exatamente o consumo excessivo de carboidratos. Certo?
Mas não vamos para por aí, afinal todas as declarações, nutricionais ou não, devem ser apoiadas por estudos científicos indexados e nunca aceitos como dogma. Por isso segue abaixo vários estudos atuais confirmando o que acabo de dizer.

Re-evaluation of the traditional diet-heart hypothesis: analysis of recovered data from Minnesota Coronary Experiment (1968-73) BMJ 2016

CONCLUSIONS: Available evidence from randomized controlled trials shows that replacement of saturated fat in the diet with linoleic acid effectively lowers serum cholesterol but does not support the hypothesis that this translates to a lower risk of death from coronary heart disease or all causes. Findings from the Minnesota Coronary Experiment add to growing evidence that incomplete publication has contributed to overestimation of the benefits of replacing saturated fat with vegetable oils rich in linoleic acid.

Association of dietary, circulating, and supplement fatty acids with coronary risk: a systematic review and meta-analysis.Ann Intern Med. 2014 May 
CONCLUSION: Current evidence does not clearly support cardiovascular guidelines that encourage high consumption of polyunsaturated fatty acids and low consumption of total saturated fats.

The effect of replacing saturated fat with mostly n-6 polyunsaturated fat on coronary heart disease: a meta-analysis of randomised controlled trials. Nutr J. 2017 May 
CONCLUSION: Available evidence from adequately controlled randomised controlled trials suggest replacing SFA with mostly n-6 PUFA is unlikely to reduce CHD events, CHD mortality or total mortality. The suggestion of benefits reported in earlier meta-analyses is due to the inclusion of inadequately controlled trials. These findings have implications for current dietary recommendations.

Dietary fatty acids in the secondary prevention of coronary heart disease: a systematic review, meta-analysis and meta-regression.  BMJ  2014
CONCLUSIONS:The present systematic review provides no evidence (moderate quality evidence) for the beneficial effects of reduced/modified fat diets in the secondary prevention of coronary heart disease. Recommending higher intakes of polyunsaturated fatty acids in replacement of saturated fatty acids was not associated with risk reduction.

Evidence from prospective cohort studies does not support current dietary fat guidelines: a systematic review and meta-analysis.Br J Sports Med. 2017 Dec
CONCLUSIONS: Epidemiological evidence to date found no significant difference in CHD mortality and total fat or saturated fat intake and thus does not support the present dietary fat guidelines. The evidence per se lacks generalisability for population-wide guidelines.

Associations of fats and carbohydrate intake with cardiovascular disease and mortality in 18 countries from five continents (PURE): a prospective cohort study. Lancet. 2017 Nov
INTERPRETATION: High carbohydrate intake was associated with higher risk of total mortality, whereas total fat and individual types of fat were related to lower total mortality. Total fat and types of fat were not associated with cardiovascular disease, myocardial infarction, or cardiovascular disease mortality, whereas saturated fat had an inverse association with stroke. Global dietary guidelines should be reconsidered in light of these findings.

Não temer gordura não significa consumir exageradamente

Quando falo em não limitar as gorduras saturadas, estou me referindo às gorduras naturais presentes em alimentos como carne, peixe, ovos, nozes, sementes, azeitonas, abacates. Estes alimentos fazem parte da dieta humana a milénios sem consequências negativas para a nossa saúde.

Christine Melcarne
Nutricionista Clínica Funcional
CRN 11100403